07/01/14

 
 
   A maré estava a mudar, começava a tornar-se estrondosa e violenta. Daphne sentiu que ele estava a afastar-se dela; ele sentiu que a decepcionara.
   Ela pegou-lhe na mão e reconduziu-o à cabana. Quando passavam entre os arbustos um rapaz de cor aproximou-se com um bilhete na mão. Era da loja local, a mais de quilómetro e meio de distância, onde havia um telefone.
   O bilhete dizia: "Daphne, ele tem de estar de novo a bordo amanhã ao meio-dia. Betty."
   Ela disse ao rapaz, que conhecia de viagens anteriores, ali, com o marido:
   - Vem comigo à cabana, para te dar algum dinheiro.
   Assim foi. Ele lançava-lhe olhares estranhos, e era natural: julgaria que aquele dinheiro era um suborno?
   Depois ela disse a James:
   - Hora-limite para ti: meio-dia, amanhã.
   - Não vou.
   - Temos outra tarde e outra noite.
   - Temos as nossas vidas inteiras.
   Dentro da cabana sentiram-se de novo juntos na maneira de sentir; o vazio que se apoderara deles junto do mar desaparecera.
   - Voltarei para ti, depois da guerra.
   Ela abraçou-o com força, com a cabeça no seu ombro. E sentiu a pele áspera debaixo da face.
   - Não acreditas em mim - disse ele, meigamente, ternamente, como se falasse com um criança -, mas é verdade.
(...)
   - Recordar-te-ei assim. Pareces uma rapariguinha, com o cabelo todo revolto. E o teu rosto precisa de ser lavado.
   Quando regressaram ao carro, por entre os arbustos, farrapos de espuma branca esvoaçavam num vento frio e salpicavam os arbustos.
   Ela conduziu em silêncio. Ele observou-a durante todo o caminho - ela recebeu aquele longo olhar como se fosse um prolongado abraço.
(...)
   Meio da tarde. O grande navio erguia-se no seu ninho de rendas de espuma branca. Daí ver-se a actividade do embarque: rastejavam formigas por todo o lado, no navio.
   Daphne não se mexia (...) A negra ergueu-lhe o braço flácido e colocou-lhe a chávena na mão.
   - Precisa de tomar um chá, madama.
   Daphne manteve-se imóvel, de olhos postos nas docas (...) deu um grito e tapou a boca com o punho cerrado. Depois disse:
   - Sou uma mulher muito perversa, sabes? Não amo Joe. Nunca amei. Casei com ele sob falsos pretextos. Devia ser castigada por isso.
(...)
   - Oh, meu Deus - lamentou-se Betty, lançando um último olhar à amiga, que estava ali caída, abatida. Algures para lá do horizonte aquele soldado ia a caminho do Norte no negrume do oceano Índico.
 
 
 
   Lessing, Doris. " Um filho do amor " in As avós e outras histórias. Barcarena: Editorial Presença, 2008, pp 225 - 229.
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